A prisão de Delcídio escancara que a corrupção na Petrobras não começou com o PT e nem respeita partidos, embora a justiça pareça não querer enxergar isso
Najla Passos
Mal a imprensa anunciara, na quarta (25), a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, na 20ª fase da Operação Lava Jato, a piada pronta já se espalhava pelas redes sociais:
- Hoje é um dia histórico para o país... finalmente um tucano foi preso!
- Verdade? Não acredito... o que ele fez?
- Um monte de coisas que não devia... mas, principalmente, se filiou ao PT!
A piada serviu para o regozijo para boa parte da militância petista, que jamais enxergou em Delcídio “um dos seus”. Mas não reflete toda a verdade. Como também não o fazem as manchetes dos jornalões que estamparam a prisão do “senador petista”.
Delcídio não é exatamente petista. Nem tão pouco tucano. É uma espécie de ser híbrido – meio petista, meio tucano – cuja prisão escancara que a corrupção na Petrobras não começou com a chegada do PT e nem respeita siglas partidárias, embora a justiça pareça não querer enxergar isso.
Natural de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, Delcídio é aquele tipo de político que tem bom trânsito entre partidos diversos. No início da carreira, atuou na Eletrosul, na Secretaria Executiva do Ministério de Minas e Energia e foi presidente do Conselho de Administração da Companhia Vale do Rio Doce, que viria a ser privatizada mais tarde pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em 1994, foi nomeado ministro de Minas e Energia pelo então presidente Itamar Franco, que tinha Fernando Henrique Cardoso à frente da Fazenda. Durante o governo do tucano de FHC, se filiou ao PSDB e acabou assumindo a diretoria de Gás e Energia da Petrobrás. Foi lá que ele conheceu Nestor Cerveró, que atuava como seu sub-diretor, e hoje o acusa de pressioná-lo a se calar na delação premiada.
Também foi nesta época que ele começou a se relacionar com Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como um dos principais operadores do esquema da Petrobrás, que, em delação premiada, afirmou que foi Delcídio quem indicou Cerveró para a diretoria da estatal, já em tempos de governo petista.
Em 2001, quando o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso caminhava para o fim, aceitou o cargo de secretário de Estado de Infraestrutura e Habitação no governo do Zeca do PT. Em 2002, candidato ao Senado, já pelo PT, e foi eleito com cerca de 500 mil votos.
Amigos de ontem
No parlamento, Delcídio manteve os amigos que trazia do passado tucano. Sempre foi muito próximo do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual e apontado pela Forbes como a 13ª maior fortuna do país. Esteves, que também foi preso nesta quarta, é aquele amigo do peito do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Amigo ao ponto de pagar as despesas da lua de mel do tucano, em 2013.
Esteves também é sócio de Pérsio Arida, eleito presidente interino do BTG nesta quinta (26). Arida é um dos economistas gurus de Fernando Henrique Cardoso, sócio do banqueiro Daniel Dantas, do Banco Oportunity, e ex-marido de Elena Laudau, a ex-diretora do BNDES que ajudou FHC a promover as privatizações que até hoje escandalizam o país.
Inclusive, foi com financiamento do BNDES que, em 1997, o Banco Oportunity comprou a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), apontada como uma das principais financiadoras do “mensalão tucano” – aquele mensalão anterior ao petista, mas que nunca vai à julgamento. Em 2005, na presidência da CPI dos Correios, o senador pelo PT Delcídio Amaral ajudou o PSDB a silenciar as denúncias sobre o caso.
Amigos de hoje
Mas se Delcídio tem boas relações com os tucanos, também as têm com muitos petistas. Não por acaso é o líder do governo no Senado, o que, pelo menos teoricamente, o qualifica como parlamentar em fina sintonia com linha política adotada pela presidenta Dilma Rousseff no momento, além de dotado de grande capacidade de articulação em outros ninhos.
E ele é, de fato, figura influente no parlamento. Preside a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), uma das mais importantes do parlamento. E é membro efetivo das Comissões de Serviços de Infraestrutura, Agricultura e Reforma Agrária, Ciência e Tecnologia, Ambiente e Defesa do Consumidor e da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
O presidente do PT, Rui Falcão, disse que o partido não irá tratar Delcídio com a mesma solidariedade que prestou ao ex-tesoureiro João Vaccari, outro petista preso pela Lava Jato. Segundo ele, são casos diferentes, porque Delcídio agiu por conta própria, em atividades não partidárias.
Por que não Cunha?
Delcídio é o primeiro senador da república a ser preso no exercício da função desde a redemocratização do país, em 1985. Conforme o Ministério Público, ele ofereceu R$ 50 mil e uma rota de fuga para que o comparsa Cerveró não apontasse sua participação no esquema da Petrobrás na delação premiada que acertou com a justiça.
Uma gravação feita pelo filho de Cerveró, Bernardo, durante uma reunião realizada em um hotel em Brasília para discutir a fuga, há cerca de 15 dias, atesta a participação inequívoca de Delcídio no planejamento da fuga, que o Ministério Público classificou como crime de obstrução à Justiça.
Dúvida de fato, nas instâncias dos poderes em Brasília, é só mesmo acerca da legitimidade ou não da sua prisão, já que a lei diz que um senador em cumprimento de mandato só pode ser preso em flagrante. Mas o próprio Senado reconheceu, já na noite desta quarta, por 59 votos a 13, a validade da polêmica decisão tomada antes pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos corredores do Congresso, não falta quem associe o precedente aberto ao caso do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), investigado pela mesma Lava Jato. Não se tem notícia de que Cunha oferecera rota de fuga a nenhum dos condenados pela operação, mas é praticamente consenso que ele tem empreendido uma manobra após a outra para evitar que ele próprio seja investigado.
Para muito além da base do PT
Eduardo Cunha não é o único preocupado com os desdobramentos da prisão de Delcídio. A tal gravação que comprova que o senador tentara obstruir o trabalho da Justiça expõe vários outros ditos “homens importantes” da república. E para muito além das esferas do PT. Entre eles, o espanhol Gregório Marin Preciado, um velho parceiro do senador José Serra (PSDB-SP), casado com uma prima do tucano e ex-sócio dele em negócios imobiliários.
Na gravação, Delcídio atesta que Preciato é o espanhol que participou das negociações do pagamento de propina de R$ 15 milhões pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobrás. Um Espanhol que, ainda segundo ele, a justiça brasileira não teria conseguido identificar.
Aliás, conforme Delcídio, Preciato é muito mais do que um operador do esquema, mas sim a verdadeira cabeça. “O Fernando [Baiano] está na frente das coisas e atrás quem organiza é o Gregório Marin [Preciato]”, afirma. Na gravação, Delcídio também registra a preocupação de Serra de que as denúncias cheguem até o amigo-parente.
“O Serra me convidou para almoçar outro dia, ele rodeando no almoço, rodeando, rodeando, porque ele é cunhado do Serra”, disse Delcídio, acusando o tucano de tentar extrair dele informações sobre as investigações.
Preciado é próximo a Serra desde que foi membro do Conselho de Administração do Banespa, de 1983 a 1987, enquanto o tucano era o secretário de Planejamento de São Paulo. Na campanha de 1994, quando Serra concorreu ao Senado, Preciado chegou a fazer doações eleitorais para ele.
Ele caiu em desgraça quando o governo tucano chegou ao fim. Como aponta o livro Privataria Tucana, de Amauri Ribeiro Junior, foi um dos alvos da CPI do Banespa, por conta de supostas operações irregulares no banco. Também foi acusado de se beneficiar da amizade com o ex-tesoureiro do PSDB e então diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, que lhe conseguira um abatimento de R$ 73 milhões em uma dívida.
Créditos da foto: Geraldo Magela / Agência Senado