“Blindado durante muitos anos, o ex-governador tucano foi desnudado e revelado ao público como um dos políticos mais corruptos da história do Brasil”, escreve o jornalista Leonardo Attuch, editor do 247
3 de julho de 2020, 10:55 h Atualizado em 3 de julho de 2020, 10:59
José Serra, Adhemar de Barros, Orestes Quércia e Paulo Maluf (Foto: Roque de Sá/Senado | Reprodução | ABr)
Estado mais próspero do Brasil, São Paulo construiu uma linhagem política peculiar: a dos governantes que “roubam, mas fazem”, tradição inaugurada pelo folclórico Adhemar de Barros, que governou São Paulo de 1947 a 1951 e depois de 1963 a 1966, quando foi afastado do cargo pelos militares por corrupção e teve seus direitos políticos cassados. Num dos episódios mais emblemáticos da ditadura, militantes de esquerda roubaram o famoso “cofre do Adhemar”, numa ação que ajudou a financiar a luta armada no País.
Embora tenham afastado Adhemar por corrupção, os militares não eram propriamente defensores da lisura no trato da coisa pública. Prova disso é o fato de terem apoiado a eleição indireta de Paulo Maluf para o cargo de governador de São Paulo, em 1978. Como mandatário biônico, ele reciclou o velho “adhemarismo”, que se converteu em “malufismo”, a mesma tradição de realizar grandes obras e descontar um percentual para as propinas. Se Adhemar foi dono da Lacta, Maluf tinha a Eucatex. E muitas das comissões que recebeu foram parar nas Ilhas Jersey, um paraíso fiscal britânico.
Finda a ditadura militar, um político aventureiro, nascido na pequena cidade de Pedregulho (SP), surpreendeu a todos e venceu o empresário Antônio Ermírio de Moraes, na disputa para o governo de São Paulo de 1986. Era Orestes Quércia, também responsável por grandes obras, como as ampliações das rodovias Anhanguera e Bandeirantes e pela construção de uma fortuna gigantesca no mercado paralelo da política. Quércia se tornou dono de grandes extensões de terra, de rádios, de empreendimentos imobiliários e de um jornal, o Diário de São Paulo, que acabou vendido para as organizações Globo. Depois disso, fez seu sucessor, Luiz Antônio Fleury, até que o ciclo foi interrompido pela chegada do PSDB ao poder, em 1994, com Mário Covas.
Desde aquele ano, os tucanos foram muito eficientes em construir a narrativa de que, diferentemente dos antecessores, eram competentes gestores e zelosos administradores da coisa pública. Logo na chegada, colaram no PMDB de Quércia e Fleury a história da “quebra do Banespa”, que acabou vendido para o Santander. Paralelamente, construíram uma eficiente blindagem midiática, que resiste há praticamente trinta anos e passa por praticamente todos os veículos de comunicação da chamada mídia corporativa.
Durante esse período, os tucanos se revezaram no poder com nomes como Mário Covas, José Serra, Geraldo Alckmin e, mais recentemente, João Doria. Serra, no entanto, se destaca por alguns traços. Primeiro, por sua incomensurável vontade de poder. Serra sempre se julgou predestinado a ser presidente do Brasil. Segundo, pela falta de escrúpulos. Ele também sempre foi capaz de ignorar qualquer limite ético, seja nas relações pessoais ou empresariais, para alcançar seus objetivos. Terceiro, pela capacidade de articular aliados nos meios de comunicação para defendê-lo em qualquer circunstância. Depois de ser derrotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, Serra começou a construir o discurso de ódio na campanha de 2010, em que também foi derrotado pelo Partido dos Trabalhadores, desta vez para a ex-presidente Dilma Rousseff.
A operação desta sexta-feira 3 contra ele apenas revela algo que há muito se sabia nas redações, mas não se podia publicar. Serra tinha como operador o maior lobista do Brasil: José Amaro Pinto Ramos, que atuou em casos emblemáticos, como a compra do Sivam, sistema de vigilância da Amazônia, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e dos trens da Alstom, ao longo de todas as administrações tucanas. Seu tesoureiro, Ronaldo Cezar Coelho, foi dono do banco Multiplic, e já havia aparecido como titular de contas com US$ 23 milhões na Suíça, abastecidas com pagamentos das empreiteiras.
No seu esquema de poder, merece um capítulo à parte sua filha Verônica Serra, que ganhou uma bolsa do bilionário Jorge Paulo Lemann em Harvard, nos Estados Unidos, de onde voltou como gestora de fundos de investimentos, muitas vezes em parceria com os próprios donos da Ambev. Detalhe: foi Serra quem bancou, também no governo FHC, a compra da Brahma pela Antarctica, que criou quase um monopólio na área de bebidas, sem que fosse imposta qualquer restrição relevante pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica. As maiores fortunas do Brasil, de três brasileiros que detêm o quase a mesma renda dos 50% mais pobres, tiveram origem nesta ação direta de Serra.
Mesmo com tanta ambição, tanta volúpia e tanta vontade de poder, Serra não realizou seu sonho de se tornar presidente do Brasil. No entanto, em 2016, foi um dos principais conspiradores do golpe que derrubou Dilma Rousseff e instalou Michel Temer na presidência, ação pela qual recompensando com o cargo do ministro das Relações Exteriores, onde deu início ao processo de destruição do Itamaraty que culmina com a chegada de Ernesto Araújo ao cargo.
Serra não foi presidente, mas, ao menos, conclui sua carreira política entrando para a seleção dos governadores paulistas. O mesmo time onde atuaram Adhemar de Barros, Orestes Quércia e Paulo Maluf.
fonte: brasil247.com