sábado, 1 de junho de 2013

AO CORACÃO DO STF


CARTA AOS MINISTROS
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 


Senhores Ministros,

Os acreanos pedem cinco minutos de vosso precioso tempo.

Acreditamos que esses cinco minutos podem evitar transtornos materiais, psicológicos e familiares de onze mil pessoas que vivem numa fronteira distante. Os senhores acreditam que o voo mais longo do Brasil é exatamente entre nossa terra e a cidade aonde o STF funciona? São três horas de viagem, quase sempre na madrugada, como se, nós acreanos, fôssemos filhos enjeitados da Nação.

E o mais trágico, senhores ministros, é que nós somos o único Estado aonde o seu povo pegou em armas para se tornar brasileiro. Nós não guerreamos com tratados jurídicos, nossa arma era uma espingarda rústica, que, muitas vezes, explodia nas mãos de nossos avós, lutadores da mata virgem e órfãos de escolas e de hospitais. Bibliotecas? Ah, elas eram como amantes que ficaram no serão nordestino.

Nossa trincheira, estimados ministros, era a floresta profunda. Enfrentávamos insetos venenosos e entes mágicos, que nos assombravam, como nos assombra hoje essa decisão de tornar ilegal o contrato de onze mil acreanos, que entraram sem concurso público na década de oitenta e nos primeiros anos da década de noventa.

Saímos de um confronto armado em defesa do Brasil e, mesmo assim, continuamos um simples Território durante cinquenta e oito anos. Imaginem, senhores ministros, como vivemos aqui durante os primeiros cinquenta anos de nossa existência como brasileiros.

Até o ano de 1992, há exíguos vinte e um anos, o Acre tinha apenas doze municípios. Os demais dez municípios eram vilas, sem escolas de ensino médio e a universidade era palavra maldita nos ouvidos daquelas populações. Em 1999 ainda tínhamos seis municípios sem a presença de ensino médio.

Isso significa dizer que, onze anos após a promulgação da Constituição Federal, ainda tínhamos mais de ¼ de nossos municípios sem a presença do ensino médio.

Como podíamos realizar concurso público para acreanos nessa situação?

O mais deprimente, senhores ministros, é que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira exige formação de nível médio para que professores possam lecionar no ensino básico e nível superior para que possam lecionar no ensino médio.

Até os primeiros anos da década de noventa, aqui no Acre, existia apenas a UFAC, com cerca de trezentas vagas. Hoje a nossa Universidade Federal do Acre oferece mais de duas mil vagas. Há ainda o Instituto Federal de Educação – IFAC - universidades particulares, religiosas e à distância.

A realidade física do Acre também era digna de um filme, daqueles que chocam os olhos e os ouvidos de quem nunca viveu em lugares ermos. Até os primeiros anos da década de 1990, o Acre vivia com dezoito municípios isolados, de um total de vinte e dois, sem nenhum tipo de acesso físico, a não ser a malha dos rios.

As viagens por esses rios demoravam de cinco a dez dias, no inverno, porque, no verão, a viagem vira uma epopeia, com a água escassa e apenas pequenas embarcações, sem proteção ao sol e à chuva, podem navegar.

Era como se quinhentos municípios paulistas ou setecentos municípios mineiros vivessem isolados, sem nenhum acesso à capital. Era esse o quadro desolador do nosso querido Acre, até uma década e meia atrás. Portanto, dez anos após a promulgação da Constituição Federal.

Nesse quadro de Dante vivíamos, sem nenhuma grande empresa do rico Sul ou Sudeste querendo se instalar aqui. Vivíamos dos repasses federais, sem rodovias asfaltadas e sob um fuso horário de três horas de diferença.

As universidades católicas não vieram pra cá. As grandes empresas nos deram as costas. Lutamos com muita dificuldade para organizar a justiça. Até os primeiros anos da década de noventa não havia Fóruns de Justiça e nem representações do Ministério Público em mais 60% dos municípios acreanos.

Não havia delegados formados com nível superior, não havia conselhos tutelares, nem corpos de bombeiros, nem defensores públicos, em mais de 60% dos nossos municípios. Éramos um Estado em construção.
Até 2010, estimados ministros, o nosso governo do Acre, junto com vinte e duas prefeituras, estava formando dez mil professores com o nível superior. Isso representa 85% do total de professores do Acre. Hoje nós temos 95% de professores com nível superior, um índice invejável, em relação aos Estados ricos do Brasil e com mais de trezentos anos de história. Éramos 27% de professores com nível superior há doze anos, quando a Constituição Federal já havia completado treze anos de promulgação.

Foi nesse quadro que os onze mil funcionários entraram no serviço público.

Eles representam, senhores ministros, 30% de todo o funcionalismo estadual do Acre, que é de trinta mil servidores na ativa. Observem que, se esse percentual fosse no Estado de São Paulo, representaria trezentos e cinquenta mil funcionários, de um total de 1,75 milhão de funcionários existentes lá.

Imaginem, estimados ministros, a ADI 3609 atingindo trezentos e cinquenta mil paulistas. Isso não ocorreria, porque São Paulo é litorânea e tem quatrocentos anos de existência. Lá estão as grandes universidades, a inteligência brasileira, as grandes fábricas e concentrou o desenvolvimento, a ciência, a educação, a riqueza e a tecnologia.

O Acre ficou na ponta da fila desses bens brasileiros. Quando pegamos em armas e nos tornamos brasileiros, as grandes cidades do Brasil já tinham completado trezentos anos. Imaginem, senhores ministros, que o Acre só veio a eleger um Governador em 1963, o ano em que nasceu este pobre escriba, que vos escreve com receio, mas, também com a esperança dos homens justos, de que o seu grito será ouvido por quem pode fazer justiça.

Mas, como tragédia, um ano depois se abateu sobre o Brasil o golpe militar de 19964. Voltamos a respirar e a decidir sobre as nossas vidas somente vinte e um anos depois. O Acre do nosso passado, estimados ministros, foi de muito sofrimento e de muita luta, de guerra até.

É este Acre adolescente que pede a atenção de vossas excelências. Aqui a excepcionalidade atingiu a vida social, a constituição das primeiras instituições públicas e, como um punhal de fogo, nos separou de uma nação, a Bolívia, e nos deu outra, o Brasil.

A única cosa que queremos do Brasil, senhores ministros, é que a decisão do STF seja de cumprimento da Constituição Federal e que vossas excelências encontrem uma forma de a lei brasileira não matar esses acreanos que dedicaram à vida à educação, à segurança e à saúde do seu povo.

Dentre os onze mil acreanos prestes a perder sua única fonte de renda, o mais novo tem dezenove anos de serviço. A média é de vinte e cinco anos, porque a grande maioria entrou no serviço público na metade da década de 1980.

A Constituição Federal, estimados ministros, era para ter sido cumprida há vinte anos. Naquela época, esses acreanos ainda eram jovens, tinham vigor físico e intelectual para encarar uma faculdade ou um concurso público.

Agora estão aposentados ou se aposentando, sem nenhuma condição de encarar nova vida e novos desafios, vão ficar à margem da economia e da vida, sem emprego, muitos, doentes e endividados.
O que pedimos a vossas excelências é que permitam a permanência dessas pessoas no lado positivo da vida, a sobrevivência. Não permitam que eles murchem, que percam a esperança no futuro, que sejam abandonados depois de ¼ de século servindo a sociedade.

Pedimos que lhes seja dado mais alguns anos, poucos anos, para que todos se aposentem e possam desfrutar da tranquilidade na velhice.

O Estado do Acre já gastou milhões de reais com eles, durante mais de vinte e cinco anos, organizou a sua aposentadoria, recolheu tributos, saneou as finanças públicas, estamos cumprindo a lei de responsabilidade fiscal. O nosso sistema previdenciário é estadual, está organizado e pronto para receber esses acreanos lutadores.

Sabemos que vossas excelências saberão encontrar o equilíbrio entre o cumprimento da lei e a defesa da vida, porque o vosso coração pulsa como brasileiros, como homens e mulheres que nos dão o maior orgulho e protegem a dignidade das famílias e a segurança jurídica do Brasil.

Temos convicção de que vossas excelências, ao se tornarem guardiões da Constituição, também se fizeram protetores da vida. Como aqui, em nossa floresta profunda e em nossos rios, aonde os entes mágicos, como a Caipora e o Batedor, protegem nossos animais indefesos, nossos peixes e, por extensão, o paraíso natural aonde eles resistem.

É esse o pedido que fazemos ao coração de vossas excelências. Que permitam ao Acre permanecer na sua tranquilidade política, econômica e social, que permitam ao nosso povo viver em paz dentro das folhas legais da nossa Constituição.

Por fim, fazemos um convite especial a cada um de vossas excelências. Quando forem tirar férias, venham conhecer nossos rios, nossas aldeias indígenas, nossa floresta profunda. Que fiquem uma noite em nossas igrejas seculares, que possam beber uma caiçuma e dançar o mariri sob o belo luar amazônico e que vossos corações sintam todo o pulsar da vida, que nasce dos homens e mulheres que, de armas nas mãos fizeram este pedaço de chão se tornar brasileiro.
O Acre tem honra!

Rio Branco – Acre, 1º de Junho de 2013.
MOISÉS DINIZ
Deputado estadual e membro da Academia Acreana de Letras

Carta enviada aos Ministros do Supremo Tribunal Federal

Joaquim Barbosa - gabminjoaquim@stf.jus.br
Ricardo Lewandowski – gabinetelewandowski@stf.jus.br
Antonio Cezar Peluso – macpeluso@stf.jus.br 
Luís Roberto Barroso – ainda sem email
Carmem Lucia – audienciaCarmen@stf.jus.br 
Marco Aurélio - marcoaurelio@stf.jus.br
Dias Toffolli - gab.mtoffoli@stf.jus.br
Luis Fux – gmlf@stf.jus.br
Gilmar Mendes - mgilmar@stf.jus.br
Celso de Mello - mcelso@stf.jus.br
Ellen Gracie - silvialeticia@stf.jus.br

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