Minhas raízes, a ditadura e a seleção.
SANTA MARIA- Em
Santa Maria em 1970, em plena euforia do milagre econômico e da vitória
da seleção brasileira, já não sentia tanta preguiça no corpo para
levantar de madrugada e se embrenhar na mata para cortar seringa.
Aos nove anos
de idade eu já cortava, brocava, plantava, colhia e carregava. Limpava,
remava, varejava, pescava, caçava e atirava. Pastorava, distalava,
arrumava, arrochava, peneirava, trepava e apanhava. Não tinha sossego e
nem diversão, meu maior descanso e alegria era quando ia pastorar arroz
no roçado.
Eu e minha
prima ficávamos “brincando de casal” e caminhando por dentro do arrozal.
Quando o sol esquentava e a roçara coçava, a gente ia mergulhar no
Igarapé Escondido, para aliviar o cansaço, era o momento de glória das
graúnas e dos chupões que aproveitavam pra comer o arroz.
Lembro que na
época o rádio não parava de referenciar e exaltar a seleção brasileira
tricampeã do mundo. As músicas tocavam sem parar como “cantiga de
grilo”. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo,
Gérson, Paulo Cesar, Pelé, Tostão, Jairzinho e Zagalo eram os heróis da
"pária livre".
Várias músicas
embalavam o coração dos brasileiros e uma era espécie de hino
não-oficial. "Pra Frente Brasil", composta por Miguel Gustavo para a
Copa do México. A ditatua militar usava a seleção e o sentimento
nacionalista para esconder as atrocidades de um regime que imperava na
época. A frase "noventa milhões em ação, pra frente Brasil! Salve a
seleção" virou a marca registrada, tocava no Rádio sem parar e martelava
na minha cabeça. Veja a música.
Durante o dia
na estrada, "subindo terra e descendo", entre uma seringueira e outra,
eu ia cantando as músicas da seleção. apesar de "pra frente brasil" ser a
mais tocada, eu preferia uma outra do cantor repentista gaúcho
Texerinha, este era o cantor mais popular na região junto com sua mulher
e parceira Mary Terezinha. As musicas de Texeirinha eram as mais
cantadas nas festas da região junto com as de Luiz Gonzaga e Trio
Nordestino.
A radio
Nacional não parava de falar em Marabá,(Pará)elogiar e mandar alô para
um tal major Curió. Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, o
oficial vivo mais conhecido do regime militar (1964-1985), que comandou a
repressão a Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Um movimento
guerrilheiro existente na região amazônica brasileira, ao longo do rio
Araguaia, Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que tinha
como o objetivo fomentar a luta de resistência contra a ditadura militar
instalada no Brasil.Enquanto a ditadura prendia , assassinava e
silenciava seus crimes, a gente em Santa Maria, continuava com o pé na
estrada cortando seringa para pagar a divida ao barracão e tirar um
pouco de saldo, era o que interessava.
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