Falta fundamento jurídico para impeachment, diz ex-ministro do STF
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
O ex-presidente do STF Ayres Britto em entrevista exclusiva à Folha em seu escritório em Brasília |
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, 72, diz que não há base jurídica para sustentar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, e que não se pode "artificializar" argumentos para afastá-la do cargo.
Ele admite que o mau desempenho da presidente colocou o país em "situação delicada", abrindo caminho para a discussão do impeachment, mas afirma que até agora não apareceram evidências de que ela tenha cometido um crime que justifique a abertura do processo.
"Ela está formalmente fora do petrolão", diz Ayres Britto. "Não há processo penal em andamento contra ela." A seguir, os principais trechos da sua entrevista.
Folha - A presidente Dilma Rousseff classificou como golpismo a exploração da crise pela oposição. O sr. concorda?
Carlos Ayres Britto - A crise econômica se agudiza e passa a manter com a instabilidade política uma relação de causa e efeito, de retroalimentação. Aí, é natural que se pense numa alternativa de direção para o país. Não vejo nisto uma tentativa de golpe, desde que esta preocupação com a governabilidade não desborde, no plano já das providências, do esquadro constitucional.
Tudo é válido, todos os antídotos para debelação da crise são válidos, desde que residentes na Constituição.
Não há risco de se criar um argumento jurídico para afastar a presidente no meio da crise?
A busca do fundamento jurídico para implementar esta intenção, este propósito, não é golpe. O que você não pode é artificializar o fundamento.
Hoje existe argumento jurídico para o impeachment?
Presidente da República pode se desinvestir por que modos? Pelo crime de responsabilidade, só que, a meu sentir, ela tem de cometer, praticar atos caracterizadores de crime de responsabilidade no atual mandato. E, ao que parece, no atual mandato, ao que se saiba, nada há.
E se ficar caracterizado que ela cometeu crime eleitoral?
Pode. Há uma ação de impugnação de mandato na Justiça Eleitoral. Seria uma via de desinvestidura da presidente da República. Não é a via da responsabilidade.
E se houvesse infração penal?
Que eu saiba não. Ela não foi denunciada, ela está formalmente fora do petrolão. Se viesse a lume, neste caso, poderia ser até no mandato passado. Agora, ao que se saiba, não há processo penal em andamento contra ela.
A análise das contas de 2014 pelo TCU pode tornar Dilma inelegível no futuro, mas não provocar seu afastamento?
Isto, mas não a desinvestidura imediata do cargo.
Então, na sua opinião, a única ameaça contra a presidente viria da Justiça Eleitoral?
Isto. O que levaria de roldão a candidatura do vice-presidente também. Em noventa dias teríamos novas eleições.
Não há argumentos jurídicos concretos hoje para abrir um processo de impeachment?
Pelo que me é dado observar e saber das coisas, não.
Como avalia as queixas que a presidente tem feito no debate sobre o seu impeachment?
O impeachment é um tema que não está imune à discussão. A presidente não pode ter a pretensão de excluir o substantivo impedimento da pauta, da agenda de preocupação nacional. Outra coisa é ela dizer: 'Não dei motivos para meu impedimento, não há fundamento jurídico'. Corretíssimo ela dizer isto. A outra pergunta é por que se chegou a este estado de coisa. Porque, por mais que se simpatize com ela, não se pode tapar o sol com a peneira.
Como assim?
Eu sou um constitucionalista. O que é o chefe de um Poder Executivo? É uma autoridade pública eletiva que é chefe da administração pública, é chefe do governo e é chefe de Estado. E o fato é que ela vai mal nas três chefias. É uma opinião generalizada, e isso coloca o país numa situação delicada. Se o chefe do Poder Executivo vai mal nas três dimensões elementares, ele abre os flancos para que a nação discuta até a possibilidade do seu impeachment.
Como o país pode conviver com uma pessoa que não desempenha bem estas funções?
Na vida política, para quem tem um pouco mais de experiência, conhece mais a história, renúncia só é ato unilateral voluntário em tese. Na prática, são os fatos que dão as cartas. A situação factual pode chegar a um ponto tal de insustentabilidade da permanência da presidente.
Estamos nesta fase?
Eu acho que ainda não. Agora, podemos chegar lá.
O que achou da decisão do STF de proibir a participação de empresas no financiamento das campanhas eleitorais?
Vou de novo à Constituição. Ao dizer que deve ser evitada a influência do poder econômico, ela não permite o financiamento privado. O STF impediu o desgoverno. Vai impedir que se chegue ao poder não pela vontade do eleitor, mas pelo poder econômico, das empresas.
Existe um projeto em discussão no Congresso que restringe a divulgação de pesquisas eleitorais. O sr. concorda?
Pesquisa eleitoral está no plano da informação, de tendência do eleitorado. Informação é livre. Você pode criar com a Justiça Eleitoral critérios, obrigatoriedade de registro, revelação do método aplicado, são cuidados para que você cerque de autenticidade, de veracidade, aqueles dados. Agora, impedir a divulgação atenta contra a liberdade de expressão.
E a proibição de publicação alguns dias antes da eleição?
Se a lei estabelecer um prazo razoável. Tem de lidar com a ideia de razoabilidade. E é difícil trabalhar com a ideia de razoabilidade nesta matéria. Tudo que favorecer a cidadania favorece o exercício da soberania conscientemente. Quando você perguntou sobre um prazo, disse que até pode ser, se for razoável. Mas você mesmo me fez um contraponto interessante, e o que é razoável? Aí a minha tendência é liberar sempre.
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