Em comunidade às margens do Rio Tejo, em Marechal Thaumaturgo, Esporte Clube Restauração enfrenta seis horas em canoas e depois uma caminhada noturna de oito horas para disputar torneio
Longe dos grandes centros de futebol, a batalha do Esporte Clube Restauração ocorre bem antes da partida começar. Em uma comunidade às margens do Rio Tejo, em Marechal Thaumaturgo, no interior do Acre, anualmente, no mês de outubro, o time enfrenta quase 15 horas de viagem para participar de um torneio em Jordão, cidade vizinha, a 462 km da capital, Rio Branco. No percurso, seis horas em canoas motorizadas e depois uma caminhada noturna de oito horas dentro da floresta.
No percurso, seis horas em canoas motorizadas e depois uma caminhada noturna de oito horas dentro da floresta (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
Sem estradas, o acesso é difícil. Com terçados, os participantes abrem a estreita trilha. Os obstáculos aparecem ao longo do antigo caminho. Solo instável, animais peçonhentos, insetos, onças e outros animais silvestres, além de uma vasta e alta vegetação amazônica atravessam o mesmo varadouro, criado por seringueiros para a extração do látex no período áureo da borracha. Mas ao chegar no destino final, o cansaço logo é deixado de lado, e tudo vira uma grande festa entre as duas comunidades.
De uniforme vermelho, jogadores da Vila Restauração marcam presença no Novenário de São Francisco de Assis e tornam-se heróis do futebol, em uma das regiões mais remotas do Acre (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
De uniforme vermelho, 45 jogadores da Vila Restauração marcam presença no Novenário de São Francisco de Assis e tornam-se heróis do futebol no no estádio Joca Melo, em uma das regiões mais remotas do Acre. A equipe se divide em dois times, um juvenil e um master e conta com atletas indígenas, da etnia Kuntanauwa. Antônio Gomes Júnior, 33 anos, técnico há oito, explica que a tradicional disputa ocorre há de mais de 30 anos e é passada de geração para geração. Em agosto de 2018, o selecionado do Jordão faz o percurso contrário. Na festa de comemoração a São Raimundo, padroeiro da Vila Restauração, a equipe retribui a vistia e realiza o ‘duelo da volta’.
Após a longa caminhada, jogadores sentem câimbras durante a partida (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
- O futebol foi a forma que nossos pais e tios encontraram de aproximar, de reencontrar as pessoas que gostamos. É uma tradição de muitos anos, que lutamos para manter. Temos muitos amigos lá e eles também têm amigos de verdade aqui. Estamos sempre de braços abertos para recebê-los. E para jogar também. Respiramos esporte! Algumas pessoas dão a vida por ele, e nós também, como aconteceu com nosso amigo - conta.
Entusiasmada, a torcida acompanha a partida no estádio de Jordão (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
Nesta edição do tradicional torneio, o Restauração venceu pela primeira vez, mas nem só de alegria foi a participação dos atletas. Um dos jogadores faleceu após a ‘expedição’, em um hospital do Jordão. Segundo o treinador Junior, a causa da morte ainda não foi esclarecida, mas ele passou mal ainda no percurso. O título foi dedicado ao amigo que partiu e apesar da dor da perda, da ausência de troféus ou medalhas, o time cumpriu mais uma vez sua missão e já aguarda ansioso pelo próximo encontro, que tem data marcada. Em agosto de 2018, o selecionado do Jordão faz o percurso contrário. Na festa de comemoração a São Raimundo Nonato, padroeiro da Vila Restauração, a equipe retribui a visita e realiza o ‘duelo da volta’.
- Sempre é assim, nós vamos até lá no novenário de São Francisco, em outubro, e em agosto eles vêm jogar aqui, na festa de São Raimundo. Este ano ganhamos, agora vamos ver na volta (risos). É um grande prazer, uma felicidade imensa. Passamos o ano aguardando esse reencontro - comemora.
Mesmo com o cansaço, o jogo é pra valer e as duas equipes se empenham em busca da vitória (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
Movidos pelo futebol, pela fé e pela integração, torcedores e times atravessam o longo varadouro que os separam, para jogar bola e prestigiar os novenários. As 28h, de ida e volta na dura viagem ficam para trás e apenas os gritos de gol da torcida entusiasmada ficam na lembrança do time, de acordo com Junior. O esporte diminui a distância geográfica.
- É uma forma de nos aproximar, independente da distância. Não há etnias, cor, sobrenome, nem religião. Nessa hora somos todos companheiros e vamos manter essa tradição, essa experiência. Todo esforço vale a pena. É uma lição de vida – conclui o técnico.
No interior do AC, time viaja quase 15h dentro da Floresta para jogar futebol (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
No interior do AC, time viaja quase 15h dentro da Floresta para jogar futebol (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
No interior do AC, time viaja quase 15h dentro da Floresta para jogar futebol (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
No interior do AC, time viaja quase 15h dentro da Floresta para jogar futebol (Foto: Juan Diaz/arquivo pessoal)
Por Nathacha Albuquerque, Rio Branco, AC