Na data em que se comemora o Dia do Índio, no Acre, é quase impossível não haver recordações de um certo Pedro Biló, cujo nome verdadeiro nunca foi grafado, falecido nos anos 80, aos 70 anos de idade, que entrou para história como dos maiores exterminadores de povos indígenas nas regiões do Envira e Alto Juruá.
O apelido “Biló” seria uma referência às faculdades mentais claudicante – o que talvez pudesse explicar tamanha brutalidade e selvageria daquele homem apontado como assassino de centenas de índios, incluindo mulheres e crianças, em suas aldeias. Um dos povos mais massacrados pelo assassino eram da etnia Kaxinawá, cujos remanescentes habitam o território do município de Feijó, interior do Acre.
“Biló” foi preso em 1976, pela Polícia Federal, a partir de uma ação do sertanista José Porfírio Fontenelle de Carvalho, com ajuda do indigenista acreano Sebastião Batista Figueiredo, falecido no início do mês, por Covid-19. Um dos agentes federais que atuaram na detenção do assassino foi o acreano de Sena Madureira José Bezerra, hoje aposentado.
José Porfírio veio para o Acre com a missão de instalar uma base avançada da Fundação Nacional do Índio (Funai) e iniciar o trabalho que visava identificar a existência de grupos indígenas na região do Acre e sudoeste do Amazonas. A primeira missão do Carvalho foi mapear a região para identificar territórios indígenas ocupados por fazendeiro e também para desconstruir o velho mito de que não existiam grupos indígenas na região. Na época, os inimigos da causa indígena diziam que no Acre não havia índios de verdade. “Diziam que por aqui só havia caboclos pintados de urucum”, disse o ex-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Acre, Anselmo Forneck.
Com a chegada à região do sertanista José Carlos Meirelles, Porfírio e Tião Figueiredo elegeram como prioridade a prisão de Pedro Biló, identificado como o maior exterminador de índios da região, a serviço de fazendeiros e seringalistas interessados em ocupar as terras habitadas pelos índios. “Biló” era tido como uma espécie de justiceiro, tendo como principal função, exterminar grupos indígenas arredios e também era encarregado de limpar os seringais, da presença dos índios isolados.
“Biló” era uma autêntica lenda no instinto da floresta. Pessoalmente, poucas pessoas o conheciam. A história do matador era envolta em muitos mistérios. Entre seringueiros e índios corria o folclore de que “Biló” tinha poderes sobrenaturais e, quando perseguido pelas autoridades ou seus inimigos, conseguia se transformar em toco de árvore, em cupim e até em animais comuns daquelas florestas. A lenda dizia que, graças aos poderes sobrenaturais, ele conseguia entrar nas aldeias, sem ser visto, e uma vez lá dentro, cortava os arcos e flechas dos índios para em seguida atacá-los. Sem armas e poder de reação, o massacre nas aldeias era certo.
Prender um homem tido como mito não foi nada fácil, recordaria o agente José Bezerra, muitos anos depois. Ao que tudo indica, o tal superpoder de Biló era, na verdade, uma rede de informações que o permitia se esconder por dias ou meses nas florestas e assim a polícia não conseguia alcançá-lo. Dificilmente ele ia na zona urbana de Feijó, em cujo território, às margens do rio Envira, ele vivia. Quando ouvia qualquer barulho de motores subindo o rio Envira, ficava de olho o tempo todo e procurava se esconder. Para prendê-lo, portanto, os argentes da Polícia Federal e os sertanistas da Funai mapearam a região e constataram que “Biló” se encontrava no seringal “Simpatia”, distante de Feijó a seis dias de barco.
Para não levantar suspeitas e nem deixar que as informações sobre a operação chegassem à rede de pessoas que certamente davam proteção ao assassino, os agentes saíram de Rio Branco rumo à fazenda Califórnia, no alto Envira, distante a dois dias de barco da localidade onde ele estava. A partir da fazenda, a equipe seguiu de barco e para que ele não desconfiasse de nada, navegou duas horas a mais, acima da localidade onde morava o assassino.
A estratégia dos agentes federais para capturá-lo deu certo. Eles atracaram o barco distante duas horas acima da localidade de Pedro Biló e deixaram anoitecer. Por volta das 22 horas, os agentes federais desceram a Envira com o motor desligado, de “bubuia”, como se diz sobre a navegação ao sabor da correnteza. Os agentes chegaram ao local por volta da meia noite e cercaram a casa do matador de índios.
Encurralado, Biló foi detido, sem esboçar qualquer resistência. Em seguida os policiais explicaram os motivos de sua prisão e disseram, com alguma ironia, que ele não tentasse se transformar em toco de Árvores ou em cupim. “Se isso acontecer, a gente vai metralhar o toco e botar fogo no cupim”, disse um dos agentes.
Em depoimento à Polícia Federal, já em Rio Branco, o assassino disse que nada daquelas lendas era verdade e tentou justificar as matanças que promovia com informações de que, quando criança, testemunhou um grupo de índios arredios invadindo a casa de uma vizinha e matar um amigo seu, então com nove anos de idade. Segundo ele, uma terceira criança, de apenas seis meses, só escapou porque ele e sua irmã de cinco anos correram para o mato e entraram em um buraco, onde passaram o dia e a noite com fome e frio. No dia seguinte, Biló ao perceber que seu pai havia chegado de viagem, desesperado saiu da toca chorando e ali teria prometido que, quando crescesse, iria vingar a morte do amigo e fazer com os índios o mesmo que eles tinham feito com a família da vizinha.
Pedro Biló não chegou a cumprir pena pelos assassinatos cometidos. Morreu, na década de 1980, em Manaus (AM), de câncer.
Por Contilnet
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