Quando madrinha Peregrina, dignitária do CICLU-Alto Santo, acendeu a fogueira de São João Batista, às 18 horas (horário local) de ontem, dia 23, repetiu um gesto inaugurado há 88 anos, na casa de Maria Damião, em Rio Branco. Nesta mesma data, em 1935, acontecia o primeiro hinário da Doutrina fundada pelo Mestre Irineu.
Embrenhados na floresta à luz da lua e de lamparinas, caboclos, seringueiros e agricultores imprimiam um rito baseado na fé e no cooperativismo, Já naquela época, a construção da fogueira através de adjuntos, os serviços de ornamentação da casa do hinário, os produtos preparados e doados para a ceia, os cânticos, demonstravam a integração das forças espirituais, pessoais e coletiva.
Eram oito hinos: um hino de Germano Guilherme, cinco hinos do Mestre Irineu, um hino de João Pereira e um hino de Maria Damião, cantados nesta ordem e de forma repetida até o amanhecer.
No intervalo, liderados pelo Mestre Irineu, todos se reuniram para a ceia de São João Batista e cantaram o hino 5 do hinário o Cruzeiro: refeição.
“Papai do Céu, do coração, que hoje neste dia foi quem deu o nosso pão, graças a mamãe.
Mamãe do céu, do coração, que hoje neste dia foi quem deu o nosso pão. Louvado seja Deus”, diz o hino.
A partir desta data e do recebimento dos primeiros hinos, os trabalhos deixavam de ter formato único de concentração com chamados executados pelo Mestre Irineu. Os cânticos ajudavam a entender a liturgia.
Na Doutrina do Daime São João Batista é apresentado como o menino que vivia nas campinas pastorando as suas ovelhas e pregando as Santas Doutrinas. Segundo o Mestre Irineu, “o amor ele (João) empregou. Atrás dele veio Jesus e toda verdade afirmou”, trecho do hino São João era menino, número 66, do hinário o Cruzeiro.
Vale destacar que o Mestre Irineu só recebe o hino São João era menino, anos depois do primeiro hinário. A data, no entanto, permanece firmada até os dias de hoje como um dos maiores festivais da Doutrina. Além da confissão, acontece no amanhecer do dia, os batizados.
Além da relevância do papel de João Batista – que pregava no deserto e anunciava a chegada do Messias – a liturgia do Daime mantém a relação entre Maria e Isabel. Mestre Irineu relata que no rio de Jordão, ambos estiveram em pé, “um é filho de Maria (Jesus) o outro é filho de Isabel (João Batista).
A fogueira que queimou nas montanhas da Judeia para anunciar o nascimento de João Batista, tem sua tradição mantida e se mantem acesa nos centros que seguem a linha espiritual de Raimundo Irineu Serra.
É inquestionável a luta incessante de madrinha Peregrina pela manutenção da tradição deixada por seu esposo. Um desafio que passa de geração para geração. Hoje poucos são os caboclos, seringueiros e agricultores que participam de forma coletiva desses trabalhos.
A Doutrina contemporânea abandonou algumas tradições. Alguns centros nem adotam mais a caiçuma (bebida indígena) distribuída no intervalo, os enfeites de bandeirinhas e adereços deixaram de ser confeccionados. No Acre uma lei estadual proíbe fogos de artifícios que davam um visual mágico ao conjunto de ritos.
O trabalho espiritual de quase doze horas, com rezas, o cântico de quase duzentos hinos e batizados, atrai turistas de várias regiões do Brasil e até do exterior. Há dois dias de solstício do inverno, homens e mulheres fardados de branco, mantém viva uma tradição que vai além da característica religiosa, também é sinônimo de mesa farta com a colheita do milho plantado em São José.
Jairo Carioca é jornalista, assessor de imprensa e escritor. É seguidor da Doutrina do Mestre Irineu há 51 anos.
Por noticiasdahora.com.br
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